domingo, 31 de julho de 2011

Ao som de "Lucinda"

sim, cheguei a intuir um aeroporto
na curva cava do seu ombro, tórax, pescoço
pois dele embora não levantasse vôo
sabia ser rês do chão todo e qualquer
depois e as rotas de retorno.
minha procura por ti tinha a poesia
de um táxi que contorna o aeroporto,
transporta passageiro e, embora desejo,
via sempre partir e ter de retornar novamente
às rotas de retorno.

e são sempre de um tráfego caótico
e é sempre de uma tristeza fina
daquelas que mal se define ser qual estação,
uma vaga presença de música sob uma
textura quase táctil de chiados
ao qual você leva a mão tentando
sitonizar mas de tão fina a tristeza
que você se abandona ao chiado
e a vaga música dissonante.


minha procura por ti tinha a solidão
de um táxi que contornar o girador
atrás das rotas de retorno


sempre engarrafadas de outros táxis,
carros de passeio, carretas, bicicletas,
conduções, coletivos, motos e pickups,
que vistos de cima dão a impressão duma multidão comum
mas de dentro - são apenas
solidões diligentes entre o aeroporto,
giradores e as dificeis rotas de retorno.

Jack Borandá
(Imagens: Brassaï)

domingo, 17 de julho de 2011

Ouvindo . . .

Dance me to the end of Love - Leonard Cohen ( O autor da canção e uma vozinha rouca massa)

















Download: http://www.4shared.com/audio/gksB3fAA/Leonard_Cohen_-_DANCE_ME_TO_TH.htm


Dance me to the end of Love - Madeleine Peyroux ( A melhor intérpretação em disparada)




















Download: http://www.4shared.com/audio/-MQ-UV03/Madeleine_Peyroux_-_Dance_Me_t.htm

sábado, 16 de julho de 2011

Ao som de "Dance me to the end of love"










nem é tão longe,
longa só a distância
da palavra ao pé do ouvido
e da boca que mente
mais um assunto qualquer e banal.

nem é tão fundo,
profunda só a légua
que se enxerga
no gelo derretendo
enquanto os olhos tão rasos
tão nítidos, se antevendo.

nem é tão longe,
longa só a distância
da razão declinando
languidamente
ombro com ombro
ao som do bar
e do doce pavor

(sem saber dançar
ou julgar se começou
pra se levar ao fim, do que,
instinto engano,
quiça, sim, talvez, )


- O que?


- Falou?

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Caio F. ( para ler ao som de London London)




"Sem data

Claro, o dia de amanhã cuidará do dia de amanhã e tudo chegará no tempo exato. Mas e o dia de hoje?
Só quero ir indo junto com as coisas, ir sendo junto com elas, ao mesmo tempo, até um lugar que não sei onde fica, e que você até pode chamar de morte, mas eu chamo apenas de porto.

2 de março

Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toq
ues e .ignoro todas as tentativas de aproximação. Tenho vontade de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão".
[ Caio Fernando Abreu ]



Trecho do conto Lixo e Purpurina do livro Ovelhas Negras. O conto é uma espécie de diário literário da estadia do autor em Londres. Um conto fragmentado onde a unidade maior é do sentimento interior de inadequação, do sentimento de eterno estrangeiro
.


Música: London London/Interprete: Cibelle
Download:

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ao som de "Go or go ahead"

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Não confunda os pés por entre os rastros.
Sei por onde cheguei.
Difícil é encarar quando a estrada se estende inteira
e nós: à parte - recolhendo pegadas,
estudando atalhos, pedindo carona a algum vento sensato.

Perdão, por nada se ter a perdoar.
A estrada que não nos cabia.
Agora, um p'ra cada margem.

Quando me estendia a mão era menor a minha confusão.
Quando me estendia a mão era menor a própria estrada
Quando me estendia a mão não doía tanto assim a caminhada

de nós a parte, recolhendo pegadas,
estudando atalhos, pedindo carona a algum vento solidário

Calculando gentilezas para cobrir a dor alheia que se imagina responsável
mas no fundo tão minha como um espelho evitado

Ir e sempre ir
ir sempre, e...

E o que se faz com uma estrada abandonada? Onde se guarda?

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lobos?


Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

Hilda Hilst

Aflição de ser. . .

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

Hilda Hilst

domingo, 17 de abril de 2011

"Cartas a um jovem poeta" - Rilke

"O senhor me pergunta se os seus versos são bons. (...) Já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isso: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever?"
(...)
"E se, desse ato de se voltar para dentro de si, desse aprofundamento em seu próprio mundo resultarem versos, o senhor não pensará em perguntar a alguém se são bons versos.(...) Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade."


domingo, 20 de março de 2011

Do mar, distâncias e braçadas


e eis que estendo o braço

e eis cada braçada

e eis nenhuma fadiga,

dali da baia ninguém se afligia,

de todos os santos, de todos os homens, de todos os mortos

afligia ninguém o mar e seus afogados



e eis a distância

e eis nenhuma chegada

e eis que estendo o braço

e eis cada braçada

do meio dia meia vida melodia (de meus músculos)

em face d'água agitada

e eis que estendo o braço

o menos cansado

e eis a distância que trazia

consigo, debaixo,

fragatas paradas lembram algum homem

e sua medida desde a baía

de todos os santos, todos os homens, todos os mortos,

e eis o mar que ninguém avistava,

que ali na baía violentava a sua ressaca

os afogados, os vi por si,

que dali da baía ninguém,

de boca aberta,

ninguém, ninguém, meu deus, ninguém respirava.